sexta-feira, 2 de outubro de 2009

MÃOS DADAS

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei cantor de uma mulher, de uma histótia,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fuguirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente.
Carlos Drumommd de Andrade

sexta-feira, 24 de julho de 2009

ABDIAS NASCIMENTO

EVOCAÇÃO DA ROSA
Abdias Nascimento

Era uma vez uma rosa
que não era vegetal
nem rosa mineral
carecia até da cor de rosa
era uma gata formosa
negra amarela e brancosa
irrequietamente caprichosa
vestida de suave pêlo multicor

Bichana terrivelmente amorosa
dos laços dos seus encantos
nenhum gato jamais se livrou
pelos telhados miava dengosa
suspirava a noite inteira
seduzindo namoradeira
toda a gataria ao
luar da lua alcoviteira

Certo dia Rosa pariu
uma ninhada de gatinhos
de várias cores engraçadinhos
os mais lindos eram os pretinhos
mamavam de patinhas entrelaçadas
ronronando de olhos cerrados
boquinhas rosadas coladas
às rosadas tetas de Rosa

Num desses momentos
um gatão assassino
pêlo sujo debotado
miando feio saltou felino
matando gatinho por todo lado

A mãe valente e briosa
socorri de porrete na mão
ajudei a defesa de Rosa
esbordoando estridente
perseguindo o ladrão
ele fugiu espavorido
um gatinho levando nos dentes
outros sangravam na agonia
Rosa fuzilava os olhos dementes
miando plangente a dor que lhe doía
noites a fio seu gemer se ouvia
ó doce e carinhosa Rosa
era de cortar o coração
ver-te enlouquecida
recusar enfurecida
aquela felina traição
ir definhando entristecida
até a completa inanição

Rosa cheirosa e macia
que ao morrer no
meu jardim plantei
sob a terra desapareceu
aos cuidados da minha
pobre primavera de
uma gata demente e morta
a rosa-gata enternecida
em rosa-flor floresceu
foram ambas a
única rosa que
a infância me deu.

Buffalo, 30 de janeiro de 1981
(antecipando o 15 de setembro de 1981)
Fonte: http://www.cedine.rj.gov.br/cultura.asp
(Para Yemanjá - no seu décimo aniversário)

terça-feira, 21 de abril de 2009

GREGÓRIO DE MATOS

A CRISTO N. S. CRUCIFICADO

Meu Deus, que estais pendente de um madeiro,
Em cuja lei protesto de viver,
Em cuja santa lei hei de morrer,
Animoso, constante, firme e inteiro:

Neste lance, por ser o derradeiro,
Pois vejo a minha vida anoitecer;
É, meu Jesus, a hora de se ver
A brandura de um Pai, manso Cordeiro.

Mui grande é o vosso amor e o meu delito;
Porém pode ter fim todo o pecar,
E não o vosso amor que é infinito.

Esta razão me obriga a confiar,
Que, por mais que pequei, neste conflito
Espero em vosso amor de me salvar.

http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/sala_de_aula/portugues/literatura_brasileira/autores/lirica





“A Jesus Cristo Nosso Senhor”

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Porque, quanto mais tenho delinqüido,
Vós tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na Sacra História,

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.
FONTE: https://docs.google.com/viewer?url=http%3A%2F%2Fwww.litteratu.com%2Fgregorio.pdf
BUSCANDO A CRISTO

A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.

A vós, divinos olhos, eclipsados
De tanto sangue e lágrimas abertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me, estais fechados.

A vós, pregados pés, por não deixar-me,
0 A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa p ‘ra chamar-me.

A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.

http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/sala_de_aula/portugues/literatura_brasileira/autores/lirica
Poema Barroco "
Murilo Mendes


Os cavalos da aurora derrubando os pianos
Avançam furiosamente pelas portas da noite.
Dormem na penumbra antigos santos com os pés feridos,
Dormem relógios e cristais de outro tempo, esqueletos de atrizes.

O poeta calça nuvens ornadas de cabeças gregas
E ajoelha-se ante a imagem de Nossa Senhora das Vitórias
Enquanto os primeiros ruídos de carrocinhas de leiteiros
Atravessam o céu de açucenas e bronze.

Preciso conhecer o meu sistema de artérias
E saber até que ponto me sinto limitado
Pelos sonhos a galope, pelas últimas notícias de massacres,
Pelo caminhar das constelações, pela coreografia dos pássaros,
Pelo labirinto da esperança, pela respiração das plantas,
E pelos vagidos da criança recém-parida na maternidade.

Preciso conhecer os porões da minha miséria,
Tocar fogo nas ervas que crescem pelo corpo acima,
Ameaçando tapar meus olhos, meus ouvidos,
E amordaçar a indefesa e nua castidade.

É então que viro a bela imagem azul-vermelha:
Apresentando-me o outro lado coberto de punhais,
Nossa Senhora das Derrotas, coroada de goivos,
Aponta seu coração e também pede auxílio.

( Antologia da Nova Poesia Brasileira
J.G . de Araujo Jorge - 1a ed. 1948 )
http://www.jgaraujo.com.br/antologia/murilo_mendes_barroco.htm

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Hilda Hilst

Dez chamamentos ao amigo

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
(I)

[Poesia: 1959-1979 - São Paulo: Quíron; (Brasília): INL, 1980.]
Fonte: http://www.jornaldepoesia.jor.br/hilda.html#poemas
Hilda Hilst

Árias Pequenas.Para Bandolim

Antes que o mundo acabe, Túlio,
Deita-te e prova
Esse milagre do gosto
Que se fez na minha boca
Enquanto o mundo grita
Belicoso. E ao meu lado
Te fazes árabe, me faço israelita
E nos cobrimos de beijos
E de flores

Antes que o mundo se acabe
Antes que acabe em nós
Nosso desejo.

Júbilo Memória Noviciado da Paixão(1974) - Árias Pequenas. Para Bandolim - XI)(Poesia: 1959-1979 - São Paulo: Quíron; [Brasília]: INL, 1980.)
Fonte: http://www.jornaldepoesia.jor.br/hilda.html#poemas

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Só um lembrete do Quintana ..

'A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê, já passaram-se 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado.
Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando, pelo caminho, a casca dourada e inútil das horas.
Desta forma, eu digo: Não deixe de fazer algo que gosta devido à falta de tempo, a única falta que terá, será desse tempo que infelizmente não voltará mais.'

Mário Quintana

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Haicai

Segundo os dicionaristas, haicai significa: pequena composição poética japonesa, em que se cantam as variações da natureza e sua influência na alma do poeta. É composta de dezessete sílabas divididas em grupos de cinco, sete, cinco. Como exemplo, este foi o primeiro que eu fiz:

Haicai 1
Amo o verão (5 sílabas)
Verão = fenômeno natural
Visto a liberdade (7 sílabas) liberdade e paixão= influências
Dispo a paixão (5 sílabas)

Haicai 2
Sorver o luar
Embriagar de paixão
Morrer de amor

Haicai 3
Ouro ou prata
No peito do vencedor
Sonho e garra

Haicai 4
Pérola negra
Sua rara beleza
Nos enternece

Haicai 5
Desmatamento
Um crime ambiental
Ato ignaro

Haicai 6
O homem destrói
Árvores mortas ao chão
Inaceitável

Haicai 7
Método cruel
Queimada agrícola
Arde a razão

Haicai 8
O vento soprou
Os pássaros cantaram
E você chegou

Haicai 9
É primavera
A estação das flores
Verdes amores

Haicai 10
Viva meu jardim
Sinta o seu aroma
Colha uma flor

Haicai 11
Rosas vermelhas
Despertam o coração
Calam de paixão

Haicai 12
Copo-de-leite
De beleza sem igual
É um deleite

Haicai 13
Flores do campo
Alegres e festivas
Brindam o amor

Haicai 14
Flores de maio
Iluminam o olhar
Geram ilusão

Haicai 15
Lírio da paz
Símbolo de leveza
Que a paz nos traz

Haicai 16
Cravo é macho
Na lapela denota
Juras de amor

Haicai 17
Com margarida
Não tem volta, só ida
Morte e vida

Haicai 18
Papoula cruel
Encanta os incautos
É doce, é fel

Haicai 19
A noite caiu
Papai Noel já chegou
Tocando sino

Haicai 20
Estrela guia
Ilumina a festa
Natal folia

Haicai 21
Calor humano
Esperança no olhar
Chegou o Natal

Haicai 22
Chove tristeza
No Natal em asilos
Idosos tão sós ...

Haicai 23
Noite infeliz
Menor abandonado
Papai sem Noel

Haicai 24
O sol brilhará
Nos porões do submundo
Num Natal sem par

Haicai 25
O sol de Verão
Desperta a libido
E nos envolve

Haicai 26
Chuvas de verão
Poesia e paixão
Erotização

Haicai 27
Chuvas de verão
Grandes alagamentos
E destruição

Haicai 28
Doce veneno
De sabê-lo infeliz
Cala o peito

Haicai 29
Brisa marinha
Inebria de amor
E enternece

Haicai 30
Apaixonados
Na calada da noite
Só sofreguidão

Haicai 31
Saudade é luz
Num desejo latente
Sombra tangente

Haicai 32
Anjo menino
De sorriso maroto
Traz alegria

Haicai 33
Primeiro amor
Sentimentos pueris
Doces lembranças

Haicai 34
O vento soprou
Os pássaros cantaram
Na paz da manhã

Haicai 35
Se tem sol, tem lá
Tocando dó, ré, mi, fá
O si vai calar

Haicai 36
No mar revolto,
Ondas espumam bravas
Em águas turvas

Haicai 37
O morro chora
No ronco da cuíca
Suas tristezas

Haicai 38
Papel de seda
Dobra em origami
Sonho dourado

Haicai 39
Livre gavião
Voa solitário
Na imensidão

Haicai 40
Fogo é paixão
Que encobre a razão
E tira a paz

Cátia Paiva
Publicação: http://www.paralerepensar.com.br/

Tankas

Tankas
Manhã luminosa.
Após semana de chuva
o Sol aparece.
o jardim ficou mais belo
com o calor do verão.
X
Tarde de verão.
Calor, grama verdejante,
crianças gritando,
a correr atrás da bola
e das goiabas maduras.
X
Verão, à noitinha...
Os barcos indo pro mar
navegam no escuro.
A tristeza no olhar
de quem ficou inseguro.
X
Tarde de verão.
Batem as ondas no cais
sob o céu vermelho.
Os namorados se abraçam
o vento açoita os cabelos.
X
Início da noite.
uma canoa vazia
à beira da praia.
As garças voltam ao ninho
socós planam sobre as ondas.
http://www.avllb.org/academicos/063/004.html

domingo, 4 de janeiro de 2009

Fernando Pessoa

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.
(http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=18233)